terça-feira, 17 de abril de 2012

LALAU FEZ ESCOLA



Sede da Procuradoria-Geral do Trabalho custará
130 milhões de reais e já tem irregularidade

Julia Duailibi


Ana Araujo
As obras em curso e a maquete do prédio: você paga outra vez

No início da década, o país assistiu à novela do superfaturamento das obras do Tribunal Regional do Trabalho em São Paulo. Nela, o protagonista era um juiz corrupto com apelido de chanchada, o "Lalau", e o fio condutor, o desvio de uma centena de milhões de reais. Na semana passada, uma história parecida começou a tomar corpo em Brasília. A Procuradoria-Geral do Trabalho pediu à Procuradoria-Geral da República a abertura de investigação criminal para apurar "prática delituosa" e "erros na execução de contratos" relativos à construção de sua própria sede. "Por sermos procuradores, temos de ser duplamente mais zelosos com a aplicação dos recursos públicos", declarou a procuradora-geral do Trabalho, Sandra Lia Simón. Esse zelo deveria ter alcançado o período anterior ao lançamento das fundações do prédio.
Trata-se, afinal de contas, de outro elefante branco pago com o dinheiro do contribuinte: uma construção que, orçada inicialmente em cerca de 20 milhões de reais, custará 130 milhões de reais ao Erário. Ela terá 56 000 metros quadrados e abrigará, a princípio, 476 funcionários. Não, não falta um zero nesse número. A nova sede da Procuradoria do Trabalho terá uma densidade demográfica equivalente à do Palácio de Versalhes de Luís XVI e Maria Antonieta. Como não há guilhotina no Brasil para os representantes do estado perdulário, o valor do metro quadrado construído – 2.320 reais – é mais caro que o de gigantescos empreendimentos de luxo prestes a ser erguidos em São Paulo, como o Shopping Vila Olímpia.

Ed Ferreira/AE
Lalau, o pau para toda obra do TRT em São Paulo: a farra com o dinheiro público é uma história sem fim

A Versalhes dos procuradores exibirá a forma modernosa de um autorama. Contará com oito andares, três deles subsolos de garagem, vagas para 664 carros, três auditórios, nove elevadores, câmara frigorífica, cozinha industrial e pisos de granito. É claro que uma gastança dessas despertaria o apetite dos corruptos. De acordo com investigações internas da Procuradoria do Trabalho, há indícios de compras superfaturadas e de emissão de notas fiscais referentes a serviços não prestados. Dos três contratos firmados para a execução da obra, dois têm digitais suspeitas: o da MHA Engenharia, responsável pela fiscalização da obra, e o da Delta Construções, vencedora da licitação para executar o projeto. A Delta já foi acusada de irregularidade em contratos com o Ministério dos Transportes e chegou a apresentar documentos falsos para participar da licitação da Operação Tapa-Buraco realizada no ano passado nas rodovias federais. O desvio de conduta é tão flagrante que dois funcionários da Procuradoria do Trabalho, responsáveis pelo departamento de obras, foram exonerados de seus cargos há quinze dias. Agora só falta descobrir se há um Lalau nesse angu.           Fonte: Revista Veja

QUADRILHA DE BANDIDOS AUTORIDADES



Cai esquema de assalto às verbas públicas 

Fotos Ed Ferreira/AE, Ailton de Freitas/Ag. O Globo, Dida Sampaio/AE
A operação da Polícia Federal, o empreiteiro Zuleido Veras (à dir.), acusado de liderar a quadrilha, e o senador Renan Calheiros (no alto, à dir.): o suspeito já foi visto despachando na casa do senador


A Operação Navalha, que implodiu uma quadrilha que assaltava verbas públicas, pode ser mais explosiva pelo que ainda esconde do que pelo que já mostrou. No plano visível, a batida policial colocou 46 pessoas na cadeia, entre elas o ex-governador do Maranhão José Reinaldo Tavares, acusado de receber um carro de mais de 100.000 reais de propina, e Ivo Almeida Costa, assessor do ministro de Minas e Energia, Silas Rondeau, suspeito de ter fraudado uma licitação. A operação também revelou que a quadrilha tinha ramificações em quatro ministérios e um órgão federal, atuava em seis estados e várias cidades, incluindo Camaçari, na Bahia, e Sinop, em Mato Grosso, cujos prefeitos também foram presos. Estima-se que a quadrilha, ao fraudar licitações de obras públicas e distribuir propina a servidores e autoridades para azeitar seus negócios ilícitos, tenha desviado pelo menos 100.milhões de reais dos cofres públicos num único ano, mas a quantia final deve ser muito maior do que isso. O líder do esquema, apontado como "chefe dos chefes" no despacho do Superior Tribunal de Justiça que autorizou as prisões, era o empreiteiro Zuleido Soares Veras, 62 anos, dono da empresa Gautama, com sede em Salvador e tentáculos por todo o Nordeste. Grave esse nome: Zuleido Veras.
É a presença de Zuleido Veras na relação dos presos que pode levar a operação policial a revelar ramificações ainda mais cabeludas – o que parece ter colocado em situação de pânico algumas autoridades em Brasília na semana passada. O empreiteiro, há quase duas décadas, dedica-se a aproximar-se de pessoas poderosas em Brasília. Primeiro, fazia seu périplo pela capital como executivo da OAS, empreiteira baiana que virou a soberana das obras públicas no governo de Fernando Collor. Desde 1995, o empreiteiro tem sua própria empresa, a Gautama, que começou fazendo contratos com o setor público que não somavam mais que 30 milhões de reais e hoje atingem a cifra de 1,5 bilhão de reais. Nessa trajetória, Zuleido Veras, paraibano de nascimento e baiano por adoção, tornou-se um ás em contatos com autoridades, servidores públicos e políticos. Suas ligações mais notórias são com o presidente do Senado, Renan Calheiros. Eles se conhecem há trinta anos, mas a relação se intensificou durante o governo Collor. O empreiteiro já foi visto despachando numa sala na residência oficial do presidente do Senado. "Já vi Zuleido mais de uma vez na casa de Renan", disse a VEJA um ministro. O que ele fazia por lá? O senador admite que é amigo do empreiteiro e diz que ele não freqüenta sua casa, mas "talvez já tenha ido uma ou outra vez". Talvez.

Dida Sampaio/AE
Adauto Cruz/CB
O senador José Sarney (à esq.), que não quis falar da operação policial, e o detido Roberto Figueiredo, presidente do banco de Brasília

No fim de 2005, Renan Calheiros liderou a tropa de choque que pressionou o presidente Lula a liberar 70 milhões de reais para as obras do sistema de abastecimento de água em Alagoas. As obras, crivadas de irregularidades, não podiam receber dinheiro, mas a pressão de Renan fez o governo editar uma MP liberando os recursos. As obras estão sendo feitas pela Gautama. O senador nega que tenha se empenhado no caso para ajudar a empreiteira e diz que o fez porque as obras beneficiam seu estado, Alagoas. Pode ter sido uma feliz coincidência, mas o caso de Rosevaldo Pereira Melo, também preso na semana passada, parece ser mais do que isso. Rosevaldo Melo é lobista da Gautama e é suspeito de pagar propinas em troca de obras para a empresa, em especial no Ministério da Integração Nacional. Conseguiu qualificar a Gautama para participar da licitação da transposição do Rio São Francisco, a obra mais cara do atual governo. Antes de virar lobista da Gautama, Melo trabalhava como secretário de Infra-Estrutura Hídrica do próprio Ministério da Integração Nacional, onde era tratado como afilhado político de Renan Calheiros. Quem o indicou para o cargo? "Foi o partido", responde o senador. Mas quem do partido? "O partido."
Em suas traficâncias por Brasília, o empreiteiro Zuleido Veras conseguiu uma penca de amizades influentes e aproximou-se da família Sarney, que lhe abriu as portas dos governos do Maranhão, Piauí, Sergipe e Distrito Federal – pois no Distrito Federal até Roberto Figueiredo Guimarães, presidente do BRB, o banco estatal, acabou preso na semana passada. Zuleido e Sarney também são amigos. O ex-presidente não quis comentar a Operação Navalha, mas seu interesse pelo assunto é grande. Cancelou uma viagem que faria ao exterior e, quando aconteceram as primeiras prisões, na manhã de quinta-feira, despachou um de seus assessores para ir à Polícia Federal obter informações. O assessor, o delegado aposentado Edmo Salvatori, no entanto, não conseguiu sequer chegar ao gabinete do delegado responsável pelas investigações. Os aliados do ex-presidente dizem que seu interesse pela operação se deve à prisão de seu rival político, José Reinaldo Tavares, e à suspeita de que outro rival, o governador do Maranhão, Jackson Lago, recebeu propina de 240.000 reais para liberar 2,9 milhões em atrasados para a Gautama. Mas à satisfação pela desgraça dos adversários seguiu-se a apreensão pela prisão de Ivo Almeida Costa, o assessor do ministro que vem a ser afilhado político de Sarney.

André Dusek/AE
Jaques Wagner, governador da Bahia: passeio de lancha

O "chefe dos chefes" da quadrilha é um homem suprapartidário. Fez contribuições eleitorais para candidatos do PT, PMDB, PDT, PSDB e do antigo PL, mas seu interesse maior é sempre pelos inquilinos atuais do poder. No dia 25 de novembro do ano passado, emprestou sua lancha, batizada de Clara, um espetáculo de 1,5 milhão de dólares com 52 pés e três suítes, ao governador da Bahia, Jaques Wagner, para ele passear pelas águas da Baía de Todos os Santos com a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff – que, por coincidência, e não existe nada que vá além da mera coincidência mesmo, é a coordenadora do PAC, o programa sobre o qual os quadrilheiros pretendiam avançar, conforme mostra a investigação da PF. A ministra Dilma Rousseff diz que não conhece o empreiteiro e, no passeio pela Baía de Todos os Santos, soube apenas que a lancha fora alugada por um assessor do governador baiano. Jaques Wagner não quis falar do assunto. Nem da lancha, nem da prisão do prefeito de Camaçari, o petista Luiz Caetano, seu amigo e, dizem as más-línguas, seu caixa informal de campanha.
  Fonte: Revista Veja

segunda-feira, 16 de abril de 2012

FRAUDE DE 500 MILHÕES DE REAIS



CPI aponta irregularidades em obras de aeroportos
e acusa empreiteiras de superfaturamento

Otávio Cabral e Ricardo Brito

Carlos Eduardo Cardoso/O Dia/AE 

Foto Gabriel Lordello

A investigação que levou à cadeia o empreiteiro Zuleido Veras, dono da construtora Gautama, mostrou que não existe negócio melhor no Brasil do que uma boa e, se possível, gigantesca obra pública. Com alguns amigos no governo, um lobista eficiente no Congresso e um estoque de malas e envelopes de apoio, os lucros são vultosos para quem se habilita no ramo. A CPI do Apagão Aéreo, que termina nesta semana no Senado, mostra mais uma vez que a praga da corrupção está na raiz de praticamente tudo o que existe de errado na administração pública. Para tentar entender os motivos que levaram o país a enfrentar uma crise aérea sem precedentes, os parlamentares resolveram investigar a Infraero, empresa responsável pela administração dos aeroportos brasileiros. Descobriram aquilo que se suspeitava. Em apenas quatro anos, 500 milhões de reais foram desviados das obras dos principais aeroportos do país. É dinheiro de impostos que deveria estar amenizando a situação de penúria dos passageiros que viajam de avião, mas que acabou rateado entre empresários, funcionários públicos e corruptos de todos os matizes. A comissão investigou os gastos com a construção e reforma de dez aeroportos. Todas as obras apresentaram irregularidades que vão de direcionamento de licitações a superfaturamento. A CPI pediu o indiciamento de 21 pessoas e listou catorze empreiteiras como responsáveis pelos desvios milionários na Infraero.

Mauricio Lima/AFP

O mecanismo de fraude identificado pelos senadores na Infraero é regido por uma cartilha conhecida, que começa pela indicação dos dirigentes da empresa pública, que selecionam empreiteiras amigas, que superfaturam obras e, por fim, repassam o dinheiro arrecadado para o padrinho político ou o partido, alimentando um ciclo que não tem fim. As dez obras analisadas pela CPI, em regra, seguiram a mesma receita de irregularidades: direcionamento dos editais, alteração de projetos e superfaturamento. A ampliação do Aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro, é exemplar. A licitação foi tão "rigorosa" que apenas um consórcio foi capaz de atender às exigências. Durante a execução da obra, alterações em serviços e em especificações de materiais levaram à assinatura de três aditivos ao contrato inicial. Houve ainda sobrepreço de materiais e alterações no cronograma de execução. Resultado: a União pagou 317 milhões de reais pela obra que deveria ter custado 276 milhões de reais. Há casos muito mais escandalosos. A obra de modernização do Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, segundo a CPI, gerou um desfalque estimado em 254 milhões de reais. Como? Aumentando-se o custo de todos os itens em 25%. Os aeroportos de Vitória e de Macapá – este executado pela empreiteira Gautama de Zuleido Veras – apresentaram desvios maiores do que o do Santos Dumont. Também aparecem no relatório como irregulares as obras dos aeroportos de Viracopos (desvio de 3,5 milhões de reais), de Salvador (28,4 milhões), de Goiânia (35,7 milhões) e de Congonhas (12 milhões).


Com base nesse manancial de fraudes, o relatório recomenda o indiciamento de todos os que se beneficiaram ou permitiram que contratos irregulares fossem assinados, prorrogados e honrados. O número 1 da lista é o atual deputado Carlos Wilson, do PT de Pernambuco, que presidiu a Infraero entre 2003 e 2006. Outros quinze funcionários da empresa pública estão na lista dos indiciados. O ex-diretor financeiro Adenauher Figueira Nunes foi demitido por não conseguir explicar de onde saíram 250.000 reais em dinheiro que foram parar em sua conta. O ex-diretor comercial José Welington Moura é acusado de ter ganho um apartamento no bairro de Boa Viagem, no Recife, da empreiteira Queiroz Galvão, responsável pelas obras no aeroporto da cidade. "A apropriação do público pelo privado é tão endêmica na Infraero que, independentemente de quem esteja ocupando os cargos de direção, continua sendo o interesse dos empreiteiros o guia para a definição de prioridades nas obras", afirma em seu relatório o senador Demostenes Torres, do DEM de Goiás, relator da CPI, que vai encaminhar nesta semana suas conclusões ao Ministério Público.

Fotos Ana Araujo

Brasília é a terra prometida dos empreiteiros de obras públicas. Na cidade moram os parlamentares que apresentam as emendas orçamentárias, funcionam os ministérios que enviam o dinheiro para as obras e atuam os lobistas que azeitam os diversos interesses. E, por ser uma cidade monumental, Brasília também é um canteiro de obras permanente. Há dez meses, procuradores da República esquadrinham algumas obras suspeitas executadas na cidade nos últimos anos. Em quatro delas, já foram encontrados desvios superiores a 85 milhões de reais. Curiosamente, os casos envolvem a construção das sedes do Superior Tribunal de Justiça, do Tribunal Superior do Trabalho, do Tribunal Superior Eleitoral – que ainda está na etapa das fundações – e a sede da própria Procuradoria-Geral da República. "Vamos tentar recuperar o dinheiro desviado", diz a procurador Rômulo Conrado. É uma excelente iniciativa.


No papel, o Brasil tem um extraordinário aparato anticorrupção, formado por órgãos como tribunais de contas, Controladoria-Geral da União, Ministério Público, Polícia Federal e as CPIs do Congresso. Na prática, porém, nada disso tem sido suficiente para conter os corruptos e os corruptores. Segundo Claudio Weber Abramo, diretor da organização Transparência Brasil, corrupção se combate com prevenção e punição. Nenhum desses dois instrumentos, no entanto, é utilizado com eficiência. A legislação frágil e o Judiciário lento favorecem a impunidade, o que incentiva os aventureiros. A promiscuidade entre o público e o privado cria as condições perfeitas para as tramóias. "Governantes e parlamentares sabem as causas e os efeitos nefastos da corrupção, mas não a combatem como deveriam porque não querem, porque se beneficiam dela ou para não perder seus aliados", avalia Abramo. Na semana passada, Zuleido Veras, que ficou preso por apenas treze dias, foi visto no aeroporto de Brasília. De óculos escuros, cabelo bem cortado e a famosa mala na mão, ele desembarcou como um passageiro qualquer. "Corrupto!", gritou um senhor idoso que o reconheceu. Zuleido deu de ombros para o velhinho, entrou num carro e seguiu o caminho que percorre desde a década de 80, quando fez amigos influentes, montou uma empreiteira e ficou rico. A engrenagem não pára.
  

Fonte: Revista Veja

PROPINA " BAÚ DA FELICIDADE "


Vídeos mostram prefeito recebendo propina
e envolvendo José Dirceu em negociata

Diego Escosteguy
João Schubert/Jornal Panorama
Nos vídeos, o prefeito Bejani aparece recebendo pacotes de dinheiro de empresários: "Não tem uma mala aí?"



Há três anos, VEJA trouxe a público um vídeo que exibia o pagamento de propina de um empresário a Maurício Marinho, funcionário dos Correios e soldado do PTB. A cena de Marinho embolsando um bolinho de 3 mil reais imortalizou-se como símbolo maior do escândalo do mensalão – e também como epítome lapidar do estágio avançado que o câncer da corrupção atingira no Brasil. Na semana passada, VEJA teve acesso a seis vídeos cujo enredo se assemelha ao da célebre fita dos Correios: um corrupto recebendo dinheiro para beneficiar empresários com contratos no governo. As fitas são estreladas pelo prefeito de Juiz de fora, Carlos Alberto Bejani, do mesmo PTB de Marinho. Nelas, Bejani aparece acertando negociatas com empresários, combinando propinas e recebendo dinheiro, muito dinheiro – em maços, em pacotes, em sacolas, em malas... Assim como o vídeo de Marinho, os DVDs apreendidos agora trazem conversas comprometedoras, envolvendo personagens famosos. Num deles, Bejani aponta a participação do ex-ministro José Dirceu no esquema de desvio de dinheiro.
As fitas estavam escondidas na própria casa de Bejani e foram encontradas quando a PF deflagrou a Operação Pasárgada, há dois meses. A polícia prendeu Bejani e outras cinqüenta pessoas acusadas de participar de uma quadrilha que desviava recursos do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) – dinheiro que a União repassa às prefeituras para investimentos. Dias depois, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região mandou soltar todos os presos. Com a descoberta da videoteca da corrupção, a PF conseguiu devolver os mesmos personagens à cadeia na última quinta-feira – inclusive Bejani e os empresários que o haviam subornado. Nos diálogos, o prefeito mostra que tem o DNA do PTB. Ele sempre quer mais. Numa das conversas, os empresários oferecem 120 000 reais por mês para que Bejani assegure um aumento na tarifa dos ônibus de Juiz de Fora. Ele se ofende com a proposta: "O primeiro aumento é todo meu! Não vou fechar nada disso! Não vou!".
Bejani: suposta reunião com Dirceu e comissão de 7 milhões de reais
A conversa na qual Dirceu é citado foi filmada em 10 de maio de 2006. Disse Bejani: "Eu tenho uma reunião com José Dirceu às 3 horas em Belo Horizonte. Tô liberando 70 milhões". O empresário faz troça: "Nô! Mas que coisa feia, né, sr. Bejani?". Continua o prefeito: "Setenta milhões! Cê sabe quanto que dá isso? Sete milhões de comissão". Logo depois, Bejani conseguiu a liberação do dinheiro junto à Caixa Econômica Federal e ao Ministério das Cidades. A PF investiga se Dirceu agiu em favor da quadrilha, mas, no relatório enviado à Justiça, os policiais não fazem acusação alguma contra o ex-ministro. Dirceu nega participação no esquema e garante que nunca prestou consultoria ao prefeito. Os DVDs do crime constituem uma pequena parte das provas recolhidas pela PF. Segundo as investigações, as ramificações da quadrilha alcançavam até o TRF da 1ª Região, que soltou os acusados. Na semana que vem, os desembargadores vão julgar um recurso impetrado por um dos presos que, se aceito, pode jogar no lixo todas as provas produzidas pela PF, o que inclui os vídeos do prefeito – um tesouro do crime que reafirma o triste diagnóstico de que aparentemente nada consegue conter o câncer da corrupção.
Fonte: Revista Veja

TRIBUNAL DE CORRUPTOS


Documentos revelam que conselheiros do TCE
do Rio de Janeiro vendiam decisões a prefeituras
Apesar dos rostos sisudos, da aparência circunspecta e do louvável empenho em zelar pela boa aplicação dos impostos dos contribuintes do Rio de Janeiro, cinco dos sete senhores sentados na bancada acima estão envolvidos numa tremenda enrascada. Documentos apreendidos pela Polícia Federal revelam que os conselheiros do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ) foram comprados por uma empresa de consultoria. Comprados mesmo, incluindo aí todas as etapas de um negócio qualquer: avaliação inicial, orçamento, negociação de preço, nota, contabilização no caixa – igualzinho faz uma empresa privada quando adquire uma mercadoria. O grupo mineiro SIM inovou no conceito de corrupção. Já se sabe que a empresa mantinha uma rede de influência em vários tribunais do país para subornar juízes e manipular decisões à base de pagamento de propina. O caso dos conselheiros fluminenses, por enquanto, é apenas o mais edificante. Para aprovar as contas de um cliente no TCE, a empresa não precisou contratar advogados, nem solicitar pareceres jurídicos de especialistas. Simplesmente pagou ao presidente da corte, a quatro conselheiros e a alguns assessores do próprio tribunal, que ficaram encarregados de redigir a defesa.
Não é a primeira vez que se ouve falar de casos assim, mas isso sempre ficou restrito ao diz-que-me-diz-que das pessoas ou, no máximo, a intrigas de quem foi derrotado em alguma demanda nos tribunais. Desta vez, não. Ao investigar casos de corrupção envolvendo prefeitos de Minas Gerais – um deles o do famoso Carlos Alberto Bejani, de Juiz de Fora, aquele filmado nadando em maços de dinheiro vivo –, a polícia descobriu que muitos administradores municipais recorriam à SIM para resolver problemas legais. Uma busca feita na sede da empresa, em Belo Horizonte, revela por quê. A SIM oferecia bem mais do que um simples serviço de assessoria ou consultoria. Ela garantia resultados favoráveis, mesmo quando tudo parecia perdido. Os documentos mostram que a SIM era uma espécie de motor financeiro a serviço de um grupo de prefeituras enroladas com a Justiça. Pelo contrato, cabia à empresa limpar o nome dos municípios junto ao Judiciário, para que os prefeitos pudessem receber verbas oficiais. Por isso, estar em dia com as prestações de contas nos tribunais era essencial. Para conseguir o atestado, a SIM recorria a métodos singulares. O município de Carapebus, no Rio, é um dos clientes do grupo. No fim de 2002, o prefeito estava com dificuldades para aprovar as contas, diante de um amontoado de irregularidades detectadas. De uma hora para outra, tudo foi resolvido. Na sede do grupo SIM, a polícia descobriu como – e sem precisar investigar muito. Estava tudo arquivado.
Fotos César Tropia
A empresa SIM, de Belo Horizonte, oferecia decisões em tribunais: rede de suborno em Minas, Brasília e no Rio
São duas as provas que, segundo a polícia, não deixam dúvida sobre o esquema no TCE fluminense. Como um negócio qualquer, havia uma minuciosa descrição da estratégia para aprovar as contas de Carapebus. Uma carta enviada à empresa por Álvaro Lopes, um político do Rio ligado ao PMDB, detalha uma reunião entre ele e um intermediário com o tribunal. Nela, foi acertada a solução. A SIM precisaria desembolsar 130.000 reais para pagar ao presidente, José Gomes Graciosa, a quatro conselheiros (chamados de "CONS’s" no documento) e a alguns assessores – e garantir a aprovação das contas. Cada conselheiro embolsaria 20.000 reais. Os 30.000 restantes seriam divididos entre os assessores da corte e um "intermediário". Lopes é didático: "Eles combinam o preço conforme o quantitativo dos CONS’s para aprovação total e o valor total envolvido no processo". No memorando da corrupção, o signatário também menciona o pagamento de um outro caso similar, de 150.000 reais, "para aprovar as contas do nosso amigo". Ele ainda ressalta que os conselheiros reclamaram do valor oferecido, em razão do "procedimento a ser tomado para aprovação". Para fechar o negócio, Lopes abriu aos conselheiros a possibilidade de pagar adiantado metade da propina. "Para adoçar a boca do grupo", diz o peemedebista, lembrando ao chefe que ele não está levando nenhum trocado pelo serviço.
Fotos Maria Tereza Correia/Estado de Minas/Folha Imagem e Andre Dusek/AE
A prisão do prefeito Alberto Bejani (à esq.) levou a PF a investigar supostas incursões da quadrilha no Tribunal Superior Eleitoral
Anexada à carta encontrada no escritório havia uma nota de subempenho, na qual se deixa claro que o negócio foi fechado, conforme o relatório de Álvaro Lopes. Ou seja: a propina não só está contabilizada como descrita em meias palavras. A especificação da despesa consta como "pagamento em espécie para TCE-RJ". Tudo quitado no decorrer dos anos de 2003 e 2004, em quatro parcelas "(21+21+23+65)" – exatamente o valor descrito na carta. Numa impressionante revolução administrativa, a prefeitura de Carapebus conseguiu aprovar todas as suas contas nos últimos cinco anos. Em dois desses anos, o relator foi o conselheiro José Nader. Em depoimento à polícia, um dos integrantes da quadrilha, o advogado Marcelo Abdalla, disse que um dos quatro conselheiros ainda não identificados é José Nader. Ele recebeu propina da SIM, segundo o advogado, por intermédio de seu filho, o deputado estadual José Nader. Procurado, o conselheiro não se pronunciou. O autor do relatório, Álvaro Lopes, admitiu ser amigo dos donos da SIM, mas negou ser o autor da carta. "Visito o TCE, mas só para tratar de questões administrativas", diz ele. O presidente do tribunal, José Maurício de Lima Nolasco, diz que desconhece os personagens citados pela polícia e que ele, em hipótese alguma, teve qualquer contato, recebeu ou fez ligação telefônica para qualquer dos envolvidos.
Fotos Ichiro Guerra/Folha Imagem e Charles Silva Duarte/O Tempo
O ex-ministro do STF Carlos Velloso (à esq.) e o desembargador Francisco Betti: eles serão ouvidos
Os mercadores de sentença tinham tentáculos poderosos em outros locais. Investigações da polícia já revelaram que juízes federais de Minas Gerais estão na relação de pagamentos da SIM. O esquema, como não poderia deixar de ser, também alcançava Brasília. Um dos clientes da SIM é a prefeitura da cidade mineira de Timóteo. Geraldo Nascimento, o prefeito, teve o mandato cassado por abuso de poder econômico na última campanha. A empresa cobrou 6 milhões de reais para tentar salvar seu mandato, que será analisado pelo Tribunal Superior Eleitoral. Em novembro do ano passado, a PF interceptou conversas entre os integrantes do esquema, nas quais eles tramavam para conseguir derrubar no TSE a decisão da Justiça de Minas. O principal articulador do lobby era o advogado Wander Tanure, conhecido por manter amigos influentes em postos-chave do Judiciário federal, entre eles o ex-ministro Carlos Velloso, do Supremo Tribunal Federal. Tanure aparece nas gravações alardeando influência no TSE. Segundo o advogado Marcelo Abdalla, que se transformou na principal testemunha do caso, o empresário Sinval Andrade, dono da SIM, pagou 60.000 reais ao desembargador Francisco de Assis Betti, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília, que teria se comprometido a reverter a condenação do prefeito Nascimento. O fato é que, com a influência ou não do grupo, o prefeito conseguiu uma liminar e voltou ao cargo. Velloso e Betti serão intimados a depor. "Nunca recebi pedido algum desse pessoal, nem eles ousariam fazê-lo", disse o ex-ministro Velloso, um jurista respeitado.

A nota acima foi encontrada na contabilidade interna da SIM. Ela mostra que a propina, discriminada como "despesa", foi paga ao Tribunal de Contas do Rio de Janeiro, no ano de 2004, em parcelas de dinheiro vivo, para aprovar as contas de um prefeito



No relatório sobre a mesma transação, um dos operadores da quadrilha descreve o resultado de uma reunião: ficou acertado que cinco conselheiros do TCE, inclusive o presidente da época, receberiam 130 000 reais
Fonte: Revista Veja