No
atual governo, há dois ex-guerrilheiros com posto no governo. Um é o ex-presidente do PT, José Dirceu, é a
presidente , cuja trajetória política é bastante conhecida. Foi preso pelo
regime militar, recebeu treinamento de guerrilha em Cuba e, antes de voltar às
escondidas para o Brasil, submeteu-se a uma cirurgia plástica no rosto para
despistar a polícia. O outro integrante do primeiro escalão com passagem pela
guerrilha contra a ditadura militar é a presidente Dilma, mulher de fala pausada, mãos gesticuladoras,
olhar austero e passado que poucos conhecem. Até agora, tudo o que se disse a
respeito da Dilma dava conta apenas de que combatera nas fileiras da Vanguarda
Armada Revolucionária Palmares, a VAR-Palmares, um dos principais grupos
armados da década de 60. Dilma Rousseff, no entanto, teve uma militância armada
muito mais ativa e muito mais importante. Ela, ao contrário de José Dirceu,
pegou em armas, foi duramente perseguida, presa e torturada e teve papel
relevante numa das ações mais espetaculares da guerrilha urbana no Brasil — o
célebre roubo do cofre do governador paulista Adhemar de Barros, que rendeu 2,5
milhões de dólares.
O
assalto ao cofre ocorreu na tarde de 18 de julho de 1969, no Rio de Janeiro.
Até então, fora "o maior golpe da história do terrorismo mundial",
segundo informa o jornalista Elio Gaspari em seu livro A Ditadura
Escancarada. Naquela tarde, a bordo de três veículos, um grupo formado
por onze homens e duas mulheres, todos da VAR-Palmares, chegou à mansão do
irmão de Ana Capriglioni, amante do governador, no bairro de Santa Teresa, no
Rio. Quatro guerrilheiros ficaram em frente à casa. Nove entraram, renderam os
empregados, cortaram as duas linhas telefônicas e dividiram-se: um grupo ficou
vigiando os empregados e outro subiu ao quarto para chegar ao cofre. Pesava 350
quilos. Devia deslizar sobre uma prancha de madeira pela escadaria de mármore,
mas acabou rolando escada abaixo. A ação durou 28 minutos e foi coordenada por
Dilma Rousseff e Carlos Franklin Paixão de Araújo, que então comandava a
guerrilha urbana da VAR-Palmares em todo o país e mais tarde se tornaria pai da
única filha de Dilma. O casal planejou, monitorou e coordenou o assalto ao
cofre de Adhemar de Barros. Dilma, no entanto, não teve participação física na
ação. "Se tivesse tido, não teria nenhum problema em admitir", diz a presidente,
com orgulho de seu passado de combatente.
"A
Dilma era tão importante que não podia ir para a linha de frente. Ela tinha
tanta informação que sua prisão colocaria em risco toda a organização. Era o
cérebro da ação", diz o ex-sargento e ex-guerrilheiro Darcy Rodrigues, que
adotava o codinome "Leo" e, em outra ação espetacular, ajudou o
capitão Carlos Lamarca a roubar uma Kombi carregada de fuzis de dentro de um
quartel do Exército, em Osasco, na região metropolitana de São Paulo.
"Quem passava as orientações do comando nacional para a gente era
ela." O ex-sargento conta que uma das funções de Dilma era indicar o tipo
de armamento que deveria ser usado nas ações e informar onde poderia ser
roubado. Só em 1969, ela organizou três ações de roubo de armas em unidades do
Exército, no Rio. Quando foi presa, em janeiro de 1970, o promotor militar que
preparou a acusação classificou-a com epítetos superlativos: "Joana D'Arc
da guerrilha" e "papisa da subversão". Dilma passou três anos
encarcerada em São Paulo e foi submetida aos suplícios da tortura
A
atual ministra era tão temida que o Exército chegou a ordenar a transferência
de um guerrilheiro preso em Belo Horizonte, o estudante Ângelo Pezzuti, temendo
que Dilma conseguisse montar uma ação armada de invasão da prisão e libertação
do companheiro. Durante o famoso encontro da cúpula da VAR-Palmares realizado
em setembro de 1969, em Teresópolis, região serrana do Rio, Dilma Rousseff
polemizou duramente com Carlos Lamarca, o maior mito da esquerda guerrilheira.
Lamarca queria intensificar as ações de guerrilha rural, e Dilma achava que as
operações armadas deveriam ser abrandadas, priorizando a mobilização de massas
nas grandes cidades. Do encontro, produziu-se um racha. Dos 37 presentes,
apenas sete acompanharam Lamarca. Ficaram com boa parte das armas da VAR-Palmares
e metade da fortuna do cofre de Adhemar de Barros. Os demais concordaram com a
posição de Dilma Rousseff.
A
divergência com Carlos Lamarca não impediu Dilma de manter uma sólida amizade
com a guerrilheira Iara Iavelberg, musa da esquerda nos anos 60, com quem o
capitão manteve um tórrido e tumultuado romance. Dilma chegou a hospedá-la em
seu apartamento, no Rio. Juntas, iam à praia, falavam de cinema, tornaram-se
confidentes. Nos três anos que passou na cadeia, seu nome chegou a aparecer em
listas de guerrilheiros a ser soltos em troca da libertação de autoridades sequestradas
— mas a ação que renderia sua liberdade foi mal sucedida. Aos 55 anos,
recentemente separada de Carlos Franklin de Araújo, Dilma Rousseff não lembra a
guerrilheira radical de trinta anos atrás, embora exiba a mesma firmeza.
"Ela é uma mulher suave e determinada", diz a jornalista Judith Patarra,
autora do livro Iara, que conta a trajetória de Iara Iavelberg
(1944-1971). "Quando a vi na televisão, percebi que Dilma continua a
mesma. É uma mulher espetacular e será uma sargentona no governo. Ela não é
mulher de meio-tom", resume o ex-companheiro de guerrilha Darcy Rodrigues.
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