terça-feira, 8 de maio de 2012

VAMPIROS DA SAÚDE NO BRASIL



Polícia descobre gangue que agia
havia catorze anos 
e sugou 2 bilhões
de reais do Ministério da Saúde

Sandra Brasil

Rafael Neddermeyer/AE
Dida Sampaio/AE
O advogado Luiz Cláudio Gomes da Silva, homem de confiança do ministro Costa, é preso pela PF; ao lado, o empresário Lourenço Rommel Peixoto, um dos três foragidos

Durante mais de uma década, um esquema de fraudes instalado no setor de compras do Ministério da Saúde fez sangrar os cofres públicos em mais de 2 bilhões de reais. Depois de sobreviver a doze ministros, o esquema começou finalmente a ruir na semana passada. Em uma ação batizada de Operação Vampiro, a Polícia Federal prendeu catorze pessoas entre empresários, lobistas e funcionários do ministério acusados de, entre outras falcatruas, desviar dinheiro público por meio da manipulação de licitações para compra de hemoderivados – derivados do sangue usados para o tratamento de hemofílicos. Um dos presos é Luiz Cláudio Gomes da Silva, homem de confiança do ministro Humberto Costa e encarregado de tomar conta de um orçamento anual de cerca de 1,5 bilhão de reais. Em sua casa, a polícia apreendeu 120.000 reais, 20.000 dólares e 7.000 euros.
Em um momento em que governo e oposição se preparam para enfrentar-se nas eleições municipais, é natural que surjam tentativas de transformar em escândalo político um caso de polícia. A prisão de Gomes da Silva – levado para a Saúde a convite do ministro Costa – ameaçou respingar no PT. Da mesma forma, o fato de o esquema de fraudes ter sobrevivido a uma dúzia de ministros trouxe imediatamente à tona a lembrança de José Serra, que ocupou com destaque a pasta no governo Fernando Henrique. Tudo leva a crer que a politização de mais um escândalo de corrupção é um equívoco nesse caso. Primeiro, porque nada indica que o ministro Costa tivesse conhecimento de que um de seus funcionários de confiança estivesse engordando a própria conta bancária à custa de dinheiro público: a abertura das investigações que culminaram na prisão dos vampiros ocorreu a pedido do próprio Ministério da Saúde. Os tucanos, por sua vez, também têm um bom argumento para se considerar fora da história. Foi no último ano da gestão de Serra que se criaram condições para que os preços dos hemoderivados começassem a despencar. Até 2002, cada unidade do fator de coagulação VIII – usado por 6.000 dos 8.000 hemofílicos em tratamento na rede pública – era comprada pelo ministério por 42 centavos de dólar. Uma mudança no sistema de compras fez com que, na última compra negociada pelo ministério no governo FHC, o produto fosse adquirido por 16 centavos de dólar.
Desprezadas as (até agora inexistentes) implicações políticas, resta a triste constatação de que a administração federal permaneceu por mais de uma década inerte, vendo escoar pelo ralo uma dinheirama que seria suficiente para erguer mais de dez Tribunais Regionais do Trabalho – o prédio de 169 milhões de reais, superfaturado pela turma do juiz Nicolau – e patrocinar duas gangues como a da advogada Jorgina Maria Fernandes, que, nos anos 90, lesou a Previdência Social por meio de indenizações trabalhistas fraudulentas. Até quando os recursos públicos continuarão a ser sugados por Lalaus e Jorginas?
A erradicação da corrupção é tarefa complexa, mas, como todo processo intrincado, poderia começar a ser feita por medida simples. Uma delas, defendem especialistas, é a redução dos cargos de confiança. "Enquanto houver apadrinhados políticos ocupando o lugar de técnicos, as chances de corrupção sempre serão maiores", afirma o advogado Jair Jaloreto Júnior, especialista em direito penal empresarial. "Grande parte desses apadrinhados não aceita cargos que pagam pouco apenas por patriotismo", diz. Outra medida simples, mas de efeito potente, é a substituição do sistema de licitação pelo de pregão, que, no caso do Ministério da Saúde, foi justamente um dos fatores que ajudaram a reduzir o preço dos hemoderivados. O pregão é uma espécie de leilão ao contrário: o governo procura o fornecedor que irá oferecer-lhe o menor preço. O sistema ganha da licitação em agilidade e transparência. Se uma licitação demora em média quatro meses, o pregão pode ser concluído em três semanas. Em vez de envelopes fechados, sujeitos a violação e adulteração, no pregão representantes das empresas comparecem pessoalmente à disputa e ofertam seus preços de viva voz. Alguns Estados, como São Paulo, já adotaram o pregão eletrônico. Realizado via internet, é considerado ainda mais seguro que a versão tradicional.
Um dos chefes do cartel da Saúde, segundo a Polícia Federal, é o empresário brasiliense Lourenço Rommel Pontes Peixoto. Rommel, dono de dois jornais, um em Brasília e outro no Rio, agia nos bastidores do ministério desde a época do escândalo PC Farias. Neste domingo, seria realizada uma festa em comemoração aos seus 45 anos numa casa às margens do Lago Paranoá, comprada especialmente para passar os fins de semana com a família. Rommel vai ter de se contentar com um bolinho clandestino. Com prisão preventiva decretada, o vampirão, ao lado de outros dois suspeitos, encontra-se foragido.

Eles resistiram a Alceni, Jatene,
Serra, Costa...
Fotos Sérgio Dutti, Orlando Brito e Alcione Ferreira/Folha Imagem
Alceni GuerraAdib JateneJosé SerraHumberto Costa


Desde 1990, quando a quadrilha começou a agir, o Brasil teve doze ministros da Saúde (Adib Jatene em duas gestões), de diferentes partidos. Isso mostra que esse tipo de corrupção não tem coloração política – e também que a falta de controle no governo é doença crônica

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