terça-feira, 8 de maio de 2012

O DINHEIRO DE SANTO ANDRÉ


Irmão do ex-prefeito Celso Daniel diz para promotores que um esquema de propina foi parar nas mãos da cúpula do PT




Dirceu (à esq.), sobre as acusações do irmão do prefeito (à dir.):"Cabe à Justiça comprovar as denúncias"



Após cinco meses de trabalho, uma equipe de promotores de Santo André, cidade da região do ABC paulista, desvendou um esquema de cobrança de propina que envolvia funcionários da prefeitura local, que é comandada pelo PT. Na última semana, a investigação transbordou os limites do município e virou assunto nacional depois que surgiram indicações de que parte do dinheiro arrecadado de forma criminosa junto a empresários locais pode ter financiado campanhas de candidatos do partido. Mais grave: de acordo com um dos depoimentos colhidos pelos promotores, o montante coletado ilegalmente em Santo André teria sido entregue ao deputado federal José Dirceu, presidente do PT e coordenador da campanha de Lula. O esquema teria arrecadado 1,2 milhão de reais no ano passado. Quem apontou para a existência de um dinheiroduto que arrecadava recursos em Santo André e o entregava a caciques petistas foi o médico João Francisco Daniel, irmão do ex-prefeito da cidade Celso Daniel, assassinado em janeiro. De acordo com o relato de Francisco Daniel aos promotores, seu irmão tinha conhecimento da extorsão. Ainda segundo Francisco Daniel, tanto a campanha da prefeita Marta Suplicy, de São Paulo, quanto a atual campanha de Lula receberam recursos oriundos do esquema. "O PT é igual aos outros. Age igual nas eleições, com caixa dois, no esquema de arrecadação", afirma o médico.

José Luis da Conceição/Ag. Estado

Celso Daniel: o amigo na mira

Entre as prefeituras do PT, Santo André não é um município qualquer. A cidade está entre as 25 maiores do Brasil. Foi na região que nasceram o PT e a CUT e que Lula começou sua carreira política. Além desse aspecto simbólico, Santo André sempre foi considerada uma vitrine da administração petista. Os projetos administrativos desenvolvidos no município servem de referência para as prefeituras do partido espalhadas pelo Brasil. As primeiras suspeitas de que havia algo de errado atrás da cidade-modelo surgiram após o assassinato do ex-prefeito Celso Daniel, ocorrido durante um seqüestro. Num primeiro momento, a polícia chegou a investigar Sérgio Gomes da Silva, o empresário que dirigia o carro que levava Celso Daniel na hora do seqüestro, para verificar se ele teria alguma conexão com o crime. Sérgio tinha sido segurança do ex-prefeito. Depois, tornou-se seu amigo íntimo. Havia denúncias de que ele enriquecera rapidamente mantendo negócios ilegais com a prefeitura. Nada foi apurado contra ele no caso do assassinato. Ao fim da investigação, a polícia concluiu que se tratava de um seqüestro comum.
No caso da cobrança de propina que se investiga agora, a situação de Sérgio Gomes da Silva ficou diferente. Na semana passada, ele foi apontado pelo Ministério Público como o chefe da quadrilha que tomava dinheiro de empresas de ônibus de Santo André. O médico Francisco Daniel disse que, em virtude de seu parentesco com o prefeito, foi procurado por um empresário que reclamava de achaques praticados por Sérgio Gomes da Silva. Segundo seu relato, um empresário do setor de ônibus contou a ele ter sido obrigado a aceitar um acordo para pagar 40.000 reais por mês. Francisco Daniel pediu ao irmão que agendasse um encontro entre o empresário e o setor de transportes da prefeitura. Mais tarde, em um encontro informal, o ex-secretário de Comunicação da prefeitura, Gilberto Carvalho, teria explicado a ele como funcionava o esquema. "Ele disse que o dinheiro da propina era todo para fazer a campanha do partido", conta o médico. O irmão do ex-prefeito relatou aos promotores detalhes de conversa que teria tido com a ex-mulher do prefeito, Miriam. "Ela me disse que Celso sempre soube de tudo, mas tolerava porque se tratava de arrecadação para campanha." A ex-mulher teria revelado uma mudança no humor do prefeito em relação a esse assunto. "Quando ele descobriu que o dinheiro estava enriquecendo seus colaboradores, disse que tomaria providência", contou.

Armando Favaro/AE

Sérgio Gomes: enriquecimento rápido e influência no governo petista

No meio da tempestade causada pelas denúncias contra o PT, seu presidente, José Dirceu, qualificou as acusações de "caluniosas" e declarou-se "tranqüilo, sereno e absolutamente inocente". Lula não teve a mesma serenidade do colega petista. "As denúncias fazem parte do esquema de terrorismo do próprio governo contra o processo eleitoral brasileiro", disse o candidato. Talvez fosse mais adequado considerar o caso ainda prematuro e evitar acusar o governo pelas denúncias partidas de Santo André, até mesmo por uma questão de bom senso. Afinal, é hábito dos políticos acusar sempre os adversários de complô quando alguma coisa aparece contra eles ou seu partido.
A ligação da propina com a cúpula do PT é uma conclusão que, por enquanto, se baseia apenas na declaração do irmão de Celso Daniel. Francisco Daniel não tem prova do que afirmou. Ele contou ao Ministério Público aquilo que teria ouvido de pessoas próximas ao prefeito assassinado. Quanto ao esquema de recolhimento das propinas, os promotores reuniram provas contundentes. O dono de uma empresa de ônibus confirmou em seu depoimento que pagava uma caixinha, entregou documentos com detalhes do funcionamento do caixa dois das empresas de ônibus e revelou o nome de todos os participantes do esquema. Com base nessas informações, os promotores pediram a prisão de seis acusados. A nova tarefa é buscar evidências para confirmar ou não as denúncias feitas por Francisco Daniel sobre a conexão nacional do crime. Na quinta-feira, as duas pessoas que teriam dado detalhes sobre o esquema a Francisco Daniel negaram tudo. A ex-mulher do prefeito, Miriam Belchior, e o ex-secretário de Comunicação da prefeitura, Gilberto Carvalho, assinaram uma nota conjunta em que acusam Francisco Daniel de representar interesses de empresários de ônibus.

Rogério Monteiro

O prefeito Palocci: molho de tomate com ervilha

O PT é o partido que mais cresceu no Brasil nas últimas eleições. Na propaganda petista na TV, o locutor repete a todo instante que um em cada quatro brasileiros vive sob administração petista. Metade das cidades com mais de 200.000 eleitores está experimentando um governo do PT e cinco Estados são governados por petistas. Um dos pontos mais repetidos no discurso petista é a honestidade dos integrantes do partido. O PT, de fato, conseguiu por muito tempo um índice superior ao dos outros partidos nesse item, especialmente nos tempos em que estava só na oposição. Mas o processo de expansão acelerada da legenda, com a conquista de câmaras, prefeituras e até de governos, encarregou-se de providenciar vários casos de corrupção sob o guarda-chuva petista. No mês passado, a Justiça cancelou uma licitação de 1,2 milhão de reais para a compra de cestas básicas na cidade de Ribeirão Preto, governada pelo prefeito Antônio Palocci, um dos coordenadores da campanha de Lula. O edital exigia que entre os produtos da cesta constasse um "extrato de tomate peneirado com ervilha". Investigações demonstraram que apenas uma companhia, gaúcha, produzia o tal extrato. Com a licitação suspensa, a prefeitura realizou compras de emergência sem concorrência pública, que também estão sendo investigadas por ordem da Justiça. A empresa que vendeu os produtos fica em Santo André, e há a suspeita de que ela participe de um cartel formado para fraudar licitações em Ribeirão Preto. Em Mato Grosso do Sul, dois secretários do governador Zeca do PT foram acusados de desviar recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador e se demitiram. No Rio Grande do Sul, uma CPI acusou o governador Olívio Dutra de ter sido conivente com um esquema de arrecadação ilegal de fundos para o PT. O Ministério Público de Brasília investiga se o ex-governador do Distrito Federal Cristovam Buarque recebeu fundos arrecadados ilegalmente para fazer sua campanha em 1998.
Há uma coisa que faz um caso de corrupção no PT se tornar especial. O partido costuma falar muito alto quando o assunto é maracutaia na casa dos outros. Na semana passada, viu-se que, sob os holofotes, os dirigentes petistas apelam para a desqualificação do trabalho de investigação, estratégia que o PT sempre combateu: "Há nítidos indícios de que a maneira pela qual foi conduzida a investigação em pauta e a divulgação da mesma têm objetivos flagrantemente políticos de macular lideranças do PT e seu presidente nacional, José Dirceu, em um momento em que o Partido dos Trabalhadores se converte na grande alternativa de mudança de que o Brasil necessita". 

Fonte: Revista Veja

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